quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Família não é uma empresa ou como catar coquinhos

Porque gostei muito deste texto, resolvi copiá-lo integralmente.
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Fabrício Carpinejar
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Estava na mesa-redonda da Bienal do Livro do Rio de Janeiro.
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Ouvi atentamente a palestra de Içami Tiba, colega de painel, que falou de modo elétrico, seguro e convincente.
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É um orador no estilo de grande auditório, conciliando humor com exemplos.
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Mas, em algum momento, ele disse: "A família é como uma empresa."
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E aquilo me incomodou profundamente. Aquilo me arrancou a audição.
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"É na família que forjamos vencedores. Se os filhos não obedecem, não fazem nada, têm preguiça para qualquer coisa, não ficariam numa empresa, é o mesmo processo."
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Caso meu avô Leônida escutasse isso, soltaria um de seus xingamentos prediletos: "Vai catar coquinho e deixar de ser besta".
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A família não é uma empresa. Nem deve ser. Não vou demitir ninguém em casa. O pai ou a mãe não é o que queremos deles, mas o que eles podem oferecer.
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Estou de saco cheio de ouvir que uma família deve trazer rentabilidade, organização e competência. A cobrança não fixa um lar.
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Na minha residência, cada um tinha uma tarefa. Mas não era uma empresa, ou uma cooperativa. Não fui promovido. Não esperava cargos de confiança. Os irmãos me continuavam.
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Quando fui demitido uma vez do serviço, expliquei para minha filha de 4 anos o que havia acontecido.
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"O trabalho não me quis mais."
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Ela respondeu bem calma:
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"São bobos, fique calmo, será meu pai sempre.
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"Eu dependo de um lugar para falir na minha vida. Deixe-me ao menos a família. Eu posso perder tudo, menos a família. A família é meu despertencimento, a adoração dos telhados, o avental no gancho da cozinha. Nem Deus, nem seus capatazes tiram aquilo que foi desejo. Podem subtrair minha memória, mas guardarei o desejo fora de mim. Em minha mulher.
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A família é o único lugar em que continuaremos vivendo sem a expectativa de acertar. Mente-se diante da agenda, não de um prato de comida. Precisamos de um espaço para falir, para errar e debruçar-nos em nossas fraquezas. Já tenho que ser funcional no emprego, no lazer, nas relações com os outros. E agora a sugestão é que trabalhemos também na família. Isso é exploração infantil, isso é jornada dupla, isso é transformar elos naturais em conexões automáticas.
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A família depende de uma única coisa: a intimidade. E intimidade não é emprestada, intimidade é não pedir de volta.
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A família é o único lugar que me permite ser verdadeiro. É o único reduto de autenticidade. Não vamos colocar a competição dentro dela. Ou encher os nossos filhos de horários e de obrigações para que não pensem bobagens. Eles carecem das bobagens para escolher seus caminhos. Ser ocupado não nos torna importantes; não nos torna responsáveis. Envelhecer é se desocupar para a amizade.
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Quando pequeno, não fiz natação, não fiz inglês, não fiz informática, não fiz o raio-que-parta. Eu tinha o tempo livre depois da escola e jogava futebol com os colegas, roubava frutas e brincava na casa dos vizinhos. Voltava para a casa quando a mãe gritava: "tá na mesa!". A infância é própria para a vadiagem. Quando iremos vadiar de novo?
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Se a família é uma empresa, um dia os filhos vão pedir demissão, um dia o pai e a mãe vão se aposentar, um dia os tios vão pedir concordata, um dia o genro vai desviar recursos.
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Na família, os laços são eternos e não provisórios como uma empresa. Família não é trabalho, família é experiência. E nunca haverá perdedores na família, mas irmãos e filhos e pais. Eles são a família, não um referencial de realização.
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Essa exigência de sucesso na família implica em não aceitar os perdedores. O que são os perdedores senão os mais sensíveis à pressão? Por isso, famílias se assustam com os problemas e escondem filhos alcoólatras, drogados e doentes em clínicas. Sofrem com a cobrança pública. Temem a exposição de seus defeitos. Família é ter defeitos, é ter fantasmas, é ter traumas. Frustração é não contar com uma família para se frustrar. Família é compreensão, não um acordo.
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Não temos que alimentar vergonhas de nossas vergonhas. Família é onde tiramos os sapatos e deitamos os casacos. Não promoverei reunião-almoço na minha sala. Não afastarei um parente pela malversação. Não solicitarei a restituição das mesadas. Não exigirei que minha filha escolha Medicina ou Direito pela estabilidade. Não condiciono minha paixão a resultados.
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Um patrão nunca será um pai. Não procuro disciplinar meus filhos, o amor é a mais suave disciplina. E o abraço é a minha desordem.
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- Fabrício Carpinejar é poeta, escritor, jornalista e mestre em Literatura Brasileira pela UFRS. É filho de Carlos Nejar, também poeta.
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- Obrigado, Fabrício, por me permitir a publicação da sua criação no meu blog.
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I bibida prus músicus!
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- Obrigado, Francine, por me ter mandado o email e permitido que eu descobrisse o Fabrício!

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