segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

O auê da UE

o
Estava tomando umas e outras e lendo o Jornal do Brasil hoje cedo no meu botequim, o Bar & Snoker Manejo (Assim mesmo, do jeito que escrevi: snoker. Tem um mapinha aqui, ó, no post A caminhonete do gás!), no meu querido Bairro Manejo, juntamente com o Tóia, meu amigo e guru do pedaço, quando ele me interrompeu:

- Nori! Você pode me explicar esse fuzuê sobre a proibição da importação da carne bovina brasileira pelos países da União Européia? Andei meio desligado de notícias esta semana... Perdi a tesão de ver o Evaristo, a Fátima, o Boris, o Nascimento...

Eu havia acompanhado por alto os antecedentes dessa lenga-lenga, cujo epílogo deu no que deu, com informações obtidas via Internet. Por isso, não poderia me furtar de apresentar ao meu amigo o que sabia, assim como bombardeá-lo com as minhas opiniões sobre tal fato e as suas conseqüências para nós. A pergunta dele, ele o sabia, antevia isso. Afinal, o Tóia é uma das poucas pessoas com as quais consigo conversar nesse meu refúgio, - Porque não? - não se satisfazendo com retóricas simples e descabidas. Possui interesse e conhecimento sobre tudo - de naves espaciais a pomadas contra frieira - e sobre todos - vivos, mortos, doentes, convalescentes e dos que estão com o pé na cova, - e tem uma educação escolar semelhante à minha, mesmo que limitados (interesse, conhecimento e educação escolar), como os meus, com o que uma discussão entre nós transcorre na maior tranqüilidade. Vive a me provocar com a sua curiosidade quando estamos juntos e me apresentando freqüentemente fatos novos e desconhecidos, o que sempre dá motivo a uma conversa informal e desestressante, controversa ou unânime nos nossos pontos de vista, o mesmo se dando no sentido inverso, ou seja, o que ele faz comigo faço também com ele. Nunca, nessas ocasiões, deixamos de estar acompanhados do nosso copo de cachaça, do nosso cigarro e de algum jornal, mesmo que seja o Extra que o boteco oferece todos os dias aos fregueses. Já a maioria dos freqüentadores do local, entretanto, são limitados aos cumprimentos ou à encheção de saco quando já estão enrolando a língua, nos abraçando e bufando um hálito fedorento de cachaça ou jurubeba misturadas com cerveja, ou se despedindo num aperto de mão interminável, ou retomado inúmeras vezes, raramente puxando uma bate-papo que dure mais do que cinco minutos ou negando-se a dar ouvidos mesmo que seja para uma conversa sem complicações.

- Negósiguinte, meu chapa! – Respondi-lhe. - A União Européia resolveu suspender a importação da carne bovina brasileira deooooa-p-e-n-a-sooooalguns dos nossos exportadores, por causa do não cumprimento de determinadas normas sobre o manejo do gado, focando principalmente o rastreamento incorreto do boi.

Tomei um gole da Capelinha e continuei:

- Li há alguns dias num blog algo que a União Européia não revelou no seu comunicado aos órgãos do nosso governo: por trás dessa decisão, existiu também um forte lobby dos criadores irlandeses, extremamente insatisfeitos com a alta produtividade tupiniquim, posto que conseguimos colocar nas mesas deles, em todos os confins da Europa, e até da Ásia e do Oriente Médio, carnes mais baratas do que as produzidas localmente.

Sem dar margem para que meu amigo interrompesse minha falação, emendei dizendo que o bom nessa decisão dos europeus é a sua conseqüência para nós, visto que o preço da carne no mercado interno deverá sofrer uma redução devido a uma maior oferta por parte dos frigoríficos, aqueles que deixarão de exportar. Isso aumentará a concorrência entre eles e os obrigará a vender a dita cuja a preços inferiores aos que eles vinham praticando. Vai sobrar, então, uma quirera maior para satisfação de nós, carnívoros por vocação. Certo ou errado, com a exportação a pleno vapor, seus preços estavam chegando à estratosfera, ao absurdo e ao nosso desespero, levando-nos a fazer com que os tipos mais nobres, como o filé mignon, a picanha, a maminha, a alcatra, passassem a ser tratados como finas iguarias, só mastigáveis e deglutidas em ocasiões especiais, tirando velórios.

Para que Tóia sentisse firmeza no que eu dizia e pelo fato de ter feito compras no fim de semana que passou, estando bem atualizado, conseqüentemente, confessei-lhe do meu espanto ao ver os preços praticados atualmente (sábado passado).

- Óia bem! No Royal (supermercado), a picanha resfriada, desossada e cortada na hora, está a R$ 24,99/kg, enquanto na sua frente, no Pica Pau (açougue localizado no outro lado da Av. Cel Mendes), a mesma picanha, resfriada, agora embalada à vácuo e etiquetada, com marca, portanto, está saindo por nada mais, nada menos do que R$ 32,20/kg. Mais barato? No Avanço (outro supermercado, distante uns 80 metros do Royal)! Lá tem aquela picanha fatiada, eu disse fatiada, igualmente resfriada e embalada a vácuo, por míseros R$ 14,99/kg. Só que essa picanha é uma verdadeira bosta, dura pra caraio, sendo seguramente não de boi de corte, jovem ainda, mas sim de vaca velha ou de boi de carreiro. Certo?

Deixando a minha pergunta de lado, esvaziamos nossos copos simultaneamente, acendemos nossos cigarros, demos umas baforadas caprichadas e pedimos mais duas pingas. Era domingo mesmo, oras! Somos aposentados, com agendas vazias de compromissos... hoje é véspera de Natal... quase todo mundo enforcou o serviço prolongando o fim de semana... amanhã é Natal...

Permanecemos calados por um tempinho, olhando os circunstantes, uns jogando sinuca, outros tranca, outros colados nas máquinas caça-níqueis (Caça-níqueis uma ova, os caras enfiam até notas de 10 reais nelas!), outros simplesmente batendo papo em torno das mesas ou apoiados sobre os cotovelos no balcão, babando sobre o mesmo ou olhando para o infinito, limitado aqui à Avenida Cel Mendes e às paredes do bar repletas de cartazes de cervejas e refrigerantes. Uns poucos ficam vendo uma das duas televisões instaladas em pontos estratégicos do recinto. Como havíamos cortado nosso circunlóquio, meu amigo retomou o tiroteio.

– Claro que está tudo certo! Tudo muito bem entendido. Essa sua aula de economia até o Guido Manteiga sabe dar!

- Mas aí tem outro problema, que é uma merda e que o Guido não fala pro povão! – Emendei. - Prestenção! Baixando o preço, o povo passará a comer mais carne e o seu preço tenderá a aumentar, ficando, no frigir dos bifes, do mesmo jeito que estava antes.

- Caraio! É sempre assim, do jeito que ocê tá falanu! No fim, a gente sempre toma na bunda! – Dito isso, fez exatamente uma cara de bundão e tomou mais um gole, no que foi acompanhado por mim, numa conferência conjunta para sabermos se a nova birita servida era a Capelinha mesmo ou se era aquela mata-corno do barril.

- Mas, Tóia! Existe sempre uma ou mais saídas para se evitar um suicídio coletivo, num acha?

- Diga quais. T'ovinu!

- pode substituir a carne bovina pela de outros bichos, como a do porco, cujo lombo está a R$ 13,99/kg no Royal.

- Não como carne de porco, sabe muito bem que nunca comi o torresmo aqui do boteco!

- Coma carne de frango, então, ora bosta! No mesmo Royal, o galeto congelado da Sadia está por R$ 6,99/kg. Se você acha caro, mais barato do que isso só o frango congelado da Copavel, vendido ali também por R$ 3,73/kg. E olha que essa marca foi uma das poucas, umas 5% das que passaram pelo teste feito há alguns meses em belos filhos de galinhas antes de se tornarem galos pela ANVISA, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

- , Nori, explica melhor!

- Vamu lá! Há alguns meses, a ANVISA pegou frangos de uns 30/40 abatedouros e mediu a quantidade de água encontrada neles, vinda na forma congelada. Naturalmente, parte da água está entranhada na própria carne do bicho, porém, boa parte na forma de gelo mesmo, perfeitamente palpável se você retirá-lo pelo buraco onde um dia se localizava o cu do pobre frango. Os resultados de certas empresas chegaram a apresentar um índice de quase 30% do peso da água em relação ao peso do frango após descongelado. Um absurdo, uma afronta ao povo, uma regra sacana de empreendedores desonestos que nos consideram eternos palhaços. Na ocasião, só faltou a ANVISA dizer que um dia ainda iriam botar água oxigenada e soda cáustica no leite.

- Cacete! É por causa disso que só como frango caipira ou pato da fazenda do Cícero (um dos três sócios do bar, todos irmãos)! – Retrucou Tóia.

- Coma peru, então, porra! Mesmo porque estamos na época de Natal e de passagem de ano, datas de comemorações, bebemorações... num sabe, mas no Royal o peru temperado e congelado da SADIA sai por R$ 9,29/kg.

- Dá na mesma! - Repinboca Tóia novamente. – Essas bostas de perus também são criados com ração. A carne deles não tem gosto nenhum. Quando sou obrigado a comer carne de peru, tenho a impressão que estou comendo papelão.

- Ah, meu! Vai , então, ô cacete! Vamu pará por aqui e fique então na mortadela!

- Ta custando quanto?

- R$ 9,18 a da Perdigão e R$ 9,84/kg a da Marba, no Royal.

- Esvaziamos nossos copos e ele pergunta: - Vamos tomar mais uma?

- Concordei na bucha e só paramos lá pelas 13:00 horas, quando resolvemos correr o trecho, não sem antes confirmarmos de que hoje voltaríamos a nos encontrar. No mesmo botequim, claro!

Seguimos cada qual na sua direção, os dois trocando as pernas num vai-e-vem parecido com pés de bambu acoitados pelo vento. No meu caso, nunca consegui saber o porquê dessa minha macaquice que acontece sempre quando vou ao botequim e volto pra casa. Deve ser velhice! Ou então aqueles desgraçados estão botando metanol na Capelinha. Duvida?

I bibida prus músicus!

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