sábado, 28 de julho de 2007

Saudades de Curitiba

Meu amigo Ery Roberto escreve lá de Curitiba, reclamando do frio que anda mordendo por lá e informando ao mundo, em geral, que “A Sibéria é aqui” (Lá, em Curitiba!).
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Frio que, de lambuja, anda assolando todo o sul e boa parte do sudeste do Brasil. Acrescente-se ao clamor enregelado dele, o nosso também, infelizes papagoiabas aqui do sul fluminense, onde ontem de madrugada os termômetros ficaram tremendo em torno dos 11 ºC. No Pico das Agulhas Negras, visível daqui da minha casa na sua magnífica imponência, marcação de uma temperatura “alta” para essa época do ano: 0 °C; donde se conclui, por extensão e analogia do pensamento do Ery, que O Polo Sul é aqui, considerando-se esse aqui como toda a região da Grande Resende.
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Pra nós daqui do sudeste, o combate ao dito cujo é feito com sopas bem quentes, quentão, muita roupa, 2 ou 3 pares de meia, muita coberta, não podendo deixar de faltar o cobertor de orelhas - artifício também utilizado lá pras bandas do Ery - e muita, muita cachaça. Para os mais abonados, whisky ou vinho, não podendo ser Old Eigth ou Drurys, tampouco vinhos de São Roque. A ingestão dessas bebidas não permite ao bebedor ascender socialmente, de jeito nenhum: permanece cachaceiro e não ganha pontos pra subir nenhum degrau na cada vez mais apertada escada da classe média.
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Já para combater o frio em Curitiba, reúno a experiência que tive nos meses de agosto dos anos de 1977 a 1980 quando, a serviço, passava uns 15 dias nessa cidade, que considero com uma das mais lindas entre todas as que conheci neste país. Eram uns quinze dias que ali permanecia, sempre com endereço fixo, que servia apenas para dormir e apanhar recados, no Hotel Iguaçu, no centro da cidade, a uma, duas quadras da Rua XV de Novembro. Enquanto de dia realizava visitas à clientela da região, ao entardecer e no varar da noite e madrugada, durante uns dez dias, fazia expediente direto no Parque das Exposições de Curitiba, cujos galpões se localizam na área do magnífico Parque do Barigüi.
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Esse parque é um local de visita obrigatória para todos os que visitam Curitiba, não apenas para apreciar a paisagem levemente ondulada do local, toda repleta de jardins formados por lindos canteiros de flores, de forma planejada e muito bem ordenada, circundados com verdes gramados, mas apreciar também o seu belo lago, sempre visitado por patos selvagens, garças e outros pernaltas. De extensão não exagerada, esse lago tem ainda todo o seu entorno salpicado por arvoredos graciosamente afastados entre si e que recortam com as formas encristadas das copas de suas árvores nesgas do céu curitibano. Árvores, convém que se esclareça, constituidas, na sua maioria, por soberbas araucárias remanescentes das florestas que outrora cobriam todo o Estado do Paraná. De outros ângulos, a visão do horizonte é tingida pelas belas silhuetas dos altos prédios da cidade, compondo um mosaico que, eu diria, é assintosamente idílico, numa declaração escancarada do meu amor por Curitiba. O resultado de uma foto feita no local, de qualquer ângulo escolhido, sempre será motivo de admiração!
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Nesse local turístico da cidade está erigido o centro de exposições, um complexo de galpões de forma hexagonal interligados entre si e que se constitui num dos maiores centros de eventos e mostras da América Latina. E foi aí que vi a cobra fumar por causa do frio, componente do cotidiano da região nessa época, justamente quando esse centro abrigava – E torço para que ainda abrigue! – a FENAM – Feira Nacional da Madeira, evento voltado à indústria moveleira e madeireira.
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oooooooooParque Barigüi, Curitiba, Foto de Arimathéia/Google Earth
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Com sói acontecer nesses eventos, as bebidas e os salgados corriam soltos. O mais ilustre membro das bebidas era o whisky, generosamente representado por algum nome respeitável das produções escocesas e de aclamação unânime por qualquer grupo de whiskistas.
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Então, o expediente na feira começava assim: frio versus whisky, cuja pendenga parecia que não dava em nada porque, com o avançar da noite, a temperatura caía mais ainda. Entretanto, havia umas duas ou três barraquinhas na área de alimentação que vendiam um tal de vinho quente e pastéis, quentinhos, quentinhos, feitos na hora! Uma chaleirona ou um caldeirão repletos com o dito cujo ficava soltando vapor sobre uma chama do fogão. Então, lá pelas tantas, o whisky cedia o seu lugar para o vinho quente que, como o próprio nome diz, é um vinho fervente que leva gengibre, açúcar e não sei lá mais o quê. Sempre me pareceu que é o nosso quentão, onde a água é substituída pelo vinho, desses bem vagabundos mesmo, aqueles vendidos em garrafões de 1 galão que neguinho diz: “- Aê, meu! Nu Natal e nu Anu Novu vô comprá cu meu 13° dois garrafão de vinho Sangue de Boi pra minha família!”.
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Essa bebida, o vinho quente, faz algum efeito, realmente, principalmente obrigar-nos a sair trocando as pernas no fim daquelas noites, que não terminavam por aí!
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Porque, por força das circunstâncias, éramos obrigados*, nós, os donos do stand, a servir de cicerones em Curitiba aos clientes retardatários que permaneciam conosco até o fim do expediente na feira e que não conheciam nada da cidade. (Se eles não nos obrigassem, iríamos de qualquer jeito!) Mas eram os momentos mais deliciosos daquela... digamos... beeeeem... maratona, com os seus diversos momentos de expectativas, senão, vejamos:
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Para jantar, tínhamos sempre duas opções, sendo a primeira no Bairro de Santa Felicidade, com as suas dezenas de restaurantes, cada um mais bonito e interessante do que o outro, e comidas, centenas de tipos de comidas para satisfazer ao mais exigente dos paladares.
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A segunda opção de jantar reservávamos, eu e o Hermannn, para o Restaurante Matterhorn, de cujo endereço não me lembro, onde eu fazia sempre a mesma escolha - por mais gostosas e compensadoras que fossem as outras ofertas - e que era o prato principal da casa: pato com purê de maçãs, elegantemente acompanhado de um legítimo vinho suíço da generosa adega do restaurante, cuja proprietária, Dona Margarida, uma senhora simpaticíssima, era, naturalmente, suíça de nascimento.
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Em seguida, madrugada findando, com alguma reserva de energia para alguma diversão, porque ninguém é de ferro, rumávamos para um local próximo do hotel chamado Stardust para fechar adequadamente mais um dia de frio em Curitiba e onde, muito caridosos que eramos, fazíamos doações de doses de Martini pras moças ficarem escutando as nossas lamúrias.
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* Quando disse éramos obrigados, me referia a mim e ao meu grande amigo Hermann Luiz Koester, representante da minha firma Steinemann, com séde em São Paulo, e com a qual ele dividia as despesas do stand. A minha firma era uma filial da firma suíça Ulrich Steinenann AG Maschinenfabrik, onde fiz estágio técnico e de vendas e tem a sua sede em Sankt Gallen, onde também morei com a minha família por exatos 13 meses, mais precisamente na Letzistrasse, 13, no bairro de Winkeln.
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O Hermann tinha o seu escritório da Rua da Consolação, no centro de São Paulo, representava inúmeras firmas do Brasil, da Europa e do Japão, das quais vendia as máquinas fabricadas por elas, todas destinadas àquelas fábricas e indústrias. Em 1979 a minha firma encerrou as suas atividades e o Hermann me convidou a continuar no ramo, agora como empregado da sua firma de representações. Topei e fiquei trabalhando com ele por mais ou menos um ano. E o Hermann, para finalizar este adendo, conhecia Curitiba como as palmas das suas mãos. Faz tempo que não ouço falar dele, mas espero que ele ainda conheça Curitiba!
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E com essa conversa toda sobre frio e Curitiba, tenho mais um adendo: há uns 15 anos tive notícias de que alguns locais que freqüentei lá encerraram as suas atividades, como o Hotel Iguaçu, o Restaurante Matterhorn e o Rei das Batidas, sendo que este último era também ponto obrigatório diário para uma visita nossa, marcada pela degustação dos mais gostosos tipos de batidas brasileiras e saborosos salgadinhos. Essas ausências me levaram a uma grande indagação sobre mim mesmo: será que sou um pé-frio, ou algo semelhante àquele gato gay americano que prevê a morte de doentes terminais?
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I bibida prus músicus!

2 comentários:

Anônimo disse...

Norival, você traçou um perfil maravilhoso da Curitiba ao final dos anos 70. Coisa de quem conheceu os meandros desta capital gelada, mas eternamente linda. Fico imensamente feliz em ler um post assim, pois ele me chega como uma grande homenagem. Hoje, 30.07, está um dia terrível. Depois de aqui viver por 29 anos (a serem completados em setembro próximo) eu pensei que qualquer inverno estaria no papo. Principalmente depois do que sofremos no ano 2000, que acredito desde 1975 deve ter sido o inverno mais duro. Ledo engano. Neste ano, com todas essas variantes tão apregoadas do planeta, estamos sofrendo de verdade. O inverno curitibano sempre foi seco, com céu limpo, dias ensolarados, um colorido entusiasmente, mas hoje em dia parece Londres. É tudo cinza, garoa irmã de Sampa, ventos constantes, parentes do Minuano gaúcho. Nem boas cachaças resolvem. É preciso ter fôlego e se agitar. Lá naqueles galpões do Parque Barigui, onde continuam existindo as boas feiras, a sensação térmica é menor ainda, dadas as características do terreno aberto e circundante do lago. Muito frio. Hoje pensei no Milton Nascimento e lembrei daquela música "Cálice". E uma frase da letra não me sai do pensamento: "Pai, afasta de mim este cálice". [Neste exato momento - 16h57 - está garoando forte, e a sensação é que a temperatura está negativa. Terrível!]. Abraço, amigão. E quando voltar por aqui não deixe de avisar.

Norival R. Duarte disse...

Fico feliz, Ery, que você tenha gostado do meu post "Saudades de Curitiba". Escrevi-o em conseqüência do seu post "A Sibéria é aqui", para o qual estava adoçando um comentário e, logo no comecinho, me veio à lembrança os bons momentos que vivi aí. Então, como ia ficar muito comprido, resolvi transformá-lo em post.

Voltando ao assunto frio, o Fernando Cals, num post de ontem, me lembrou de mais um inimigo que utilizamos para combatê-lo: o chocolate quente.

Na Suiça, à título de informação, o pessoal bebe um tal de Kaffefertig, uma mistura de café, bem quente, tão quente quanto o vinho quente de vocês aí de Curitiba quando está no ponto de ebulição, suficiente para descascar a nossa lígua, misturado com uma cachaça de amêndoa (caríssima).

O desgraçado desse Kafeefertig quase obriga a gente a ficar pelado depois de umas... digamos, 4 ou 5 dozes.

Obrigado pelo convite da visita. Tá anotado!